O que são limites na educação das crianças? Por que devemos impor limites? Com qual objetivo? Como impor limites? Quem deve impor – professores ou pais? Quando impor limites? Essas são algumas questões que podem cair na sua prova de concurso e o artigo escrito por Sybele Barros de Oliveira e Fátima Lúcia Soares Ribeiro te ajudará a responder todas essas dúvidas!
Educação Infantil: construindo limites
Ao nos depararmos com a expressão ‘limites’ no que diz respeito à educação infantil, logo associamos à ideia de indisciplina, desobediência, imposição de normas e de controle aos impulsos infantis. Para La Taille (2000) educar uma criança não é apenas impor-lhe limites, mas sim ajudá-la cognitivamente e emocionalmente a ultrapassar estes limites, pois, se limite é mesmo limite, representa alguma linha que separam duas fronteiras distintas que precisa ser superada.
A educação infantil é uma fase do desenvolvimento humano de extrema importância na formação do ser, pois é nessa fase da vida que são estruturados os alicerces da personalidade. Segundo Piaget (1994) é quando ocorre o aparecimento do conceito do “eu” e do desenvolvimento da sua autonomia e independência. Sendo assim, na educação infantil se vivencia uma fase de grandes descobertas e diversas formas de expressões. Não cabendo rotular crianças como ‘indisciplinadas’, uma vez que se encontram em processo de formação de personalidade e de constante exploração do meio. As crianças pequenas ainda não construíram um sistema próprio e estável de sentimentos, interesses, valores e reações sociais. É normal encontrar dificuldades sociais provenientes de sua incapacidade de assumir a perspectiva de outros e pensar além da superfície observável dos eventos […] (VERGÉS; SANA, 2009, p.14).
Para Machado (2002), a ausência de limites muitas vezes está relacionada ao negativismo da criança, pois é na primeira infância que começa a perceber que pode alterar o ambiente e diz não a quase tudo no mundo. A autora ainda nos traz que a melhor maneira de lidar com este negativismo é adotar uma postura realista na qual os desejos existem, mas nem sempre podem ser realizados, isto a fará desaparecer do seu comportamento sem criar traumas ou deixar marcas negativas (…), “mas também é importante existir um consentimento razoável que fará bem para a autoestima da criança”(p.89). É comum escutar-mos que os limites são barreiras restritivas que impedem o desenvolvimento da criatividade nas crianças, associando a criatividade ao ilimitado ou à ausência de regras.
Entretanto, La Taille(2000) nos mostra que os limites são necessários até no desenvolvimento das artes, música, dança, Filosofia, Ciências, entre tantas outras áreas, claramente associadas à criatividade. O exercício da liberdade é um fato, no entanto, todas elas possuem técnicas e métodos a serem seguidos e limites a serem respeitados.
A participação da família é de extrema importância na construção dos limites, pois é o primeiro grupo social que a criança mantém contato, podendo ser considerada como a base no processo de desenvolvimento da moral e ética
e da formação da identidade do indivíduo. Como já dito anteriormente, nem sempre a família assumiu papel de responsabilidade na educação das crianças, que por muito tempo a considerou um adulto em miniatura, cujos conhecimentos e transmissão de valores eram assegurados pela comunidade que eram inseridas para desempenhar papéis de um adulto. Atualmente, com a valorização da criança na sociedade, os filhos passaram a assumir o papel de protagonista no seio familiar e objetos de grande investimento para o futuro.
Observamos atualmente muitos casos de adultos inseguros no processo educativo dos seus filhos, pois as famílias passaram a se organizar em função da criança e não dos adultos, passou a ocorrer na sociedade uma ansiedade
maior no que diz respeito a que ideal de educação deve ser dispensado às crianças. Que tipo de conduta os pais devem ter nesse processo educativo que venha favorecer o desenvolvimento infantil, respeitando sua individualidade e autonomia, sem castrar sua liberdade, mas oferecendo os limites devidos para que esta criança desenvolva-se de maneira cognitiva, física, emocional e socialmente. Todo dilema está justamente nisto: como dar liberdade aos filhos, aos alunos, sem ser ausente? Como poupá-los de incessantes limitações sem abandonar o papel de adulto, de guia? Como colocar limites e não ser castrador e injusto? (LA TAILLE, 2000, p.65).
Muitos pais se perdem neste processo, adotando muitas vezes posturas extremas, sendo permissivos demais ou restritivos demais, favorecendo uma dinâmica familiar inadequada ao bom desenvolvimento da criança. O papel dos pais neste caso é o de ajudar a criança a voltar-se para as coisas adequadas dirigindo toda a sua energia e iniciativa para atividades aceitáveis de modo que a culpa seja minimizada, pois a criança que não desenvolver senso de autonomia nessa fase pode se tornar um adulto repressivo (…) (MACHADO, 2002, p.18).
Um estudo realizado por Vergés e Sana (2009), aponta que pais que educam seus filhos utilizando como principais recursos, ameaças, castigos e palmadas, justificam que consideram este tipo de educação viável por acreditarem que eles mesmos são frutos desta educação e não se consideram prejudicados por isso. Entretanto, as crianças que recebem este tipo de educação, geralmente são bastante tímidas e inseguras, foi o que as autoras constataram em suas observações.
As crianças que se habituam a funcionar à base de ameaças custam a assumir responsabilidades, são subdesenvolvidas e carentes do ponto de vista afetivo e emocional. A sanção pode ser necessária na educação da criança, mas deve ser aplicada com muito cuidado, porque corre o risco de ser deseducativa (VERGÉS; SANA, 2009, p.
54).
É de extrema importância que os pais compreendam a necessidade de construir uma dinâmica familiar com regras constantes, onde a palavra “não” é dita nos momentos apropriados, possibilitando aos filhos a capacidade de
exercitar suas emoções. Assim como, os pais precisam estar alinhados e em coerência nas posturas adotadas com relação à educação dos filhos e aos limites estabelecidos a estes, pois do contrário poderão prejudicar
consideravelmente o seu desenvolvimento.
Na sociedade atual, outro grupo desempenha papel fundamental no processo educativo das crianças, que é geralmente o segundo grupo de interação social que estas se deparam: a instituição de educação infantil. Tal instituição exerce importante papel em parceria com a família no processo educativo destas crianças. […] tem a obrigação de prover ambientes acolhedores, seguros, alegres, instigadores, com adultos bem preparados, organizados para oferecer experiências desafiadoras e aprendizagens adequadas às crianças de cada idade (CRAIDY; KAERCHER, 2001, p.16).
Muitas instituições escolares ainda mantêm o modelo unilateral de relação entre professor/aluno, exigindo respeito para a figura do professor pautando-se na imposição de regras, onde se espera a obediência por parte das crianças e caso não ocorra, utiliza-se um sistema de punições e recompensas. Nós sabemos as consequências afetivas e emocionais ocasionadas nas crianças por este modelo. São crianças reprimidas e tolhidas em sua capacidade de agir autonomamente, cujos sentimentos não são levados em consideração, pois não existe uma relação de troca com o
professor, mas apenas de obediência extrema.
O papel do professor na construção dos limites vai muito além de uma mecanização de seus atos, mas a sua figura deve exercer exemplo para seus alunos, pois a maioria dos comportamentos infantis é aprendida por meio da imitação e reprodução dos gestos e atitudes dos seus educadores. […] pais e educadores devem estimular as crianças nas suas tentativas e experiências, acompanhá-las de forma positiva nas suas atividades e descobertas, transmitir-lhes confiança (VERGÉS; SANA, 2009, p. 57).
O respeito mútuo deve estar sempre presente na relação professor/aluno, como fator básico para a construção dos valores e limites. Assim como, o afeto, em sua expressão de carinho no dia a dia escolar, contribui no respeito às regras construídas em sala. É de grande importância que o professor transmita carinho e atenção para seus alunos de educação infantil, pois a ação do professor determina a maneira como os limites serão estabelecidos e respeitados. Se o professor adota uma postura de respeito e carinho no tratamento com seus alunos, espera-se uma reação recíproca no cumprimento das regras, entretanto, se a conduta do professor é de autoritarismo, é inevitável que os seus alunos busquem seu espaço através da indisciplina.
A demonstração de carinho na construção dos limites não significa sempre dizer sim, mas é justamente o saber dizer não e perceber que o aluno aceitará quando for repreendido, respeitando a postura do professor e assim,
gradativamente tendo a sua moral construída .
A moral de um indivíduo é construída mediante a obediência às regras sociais existentes no meio em que está inserido.
Segundo Piaget (1994), existem duas etapas diferentes mas que se complementam na constituição do desenvolvimento moral: a heteronomia e a autonomia. A heteronomia é considerada a moral prejudicial, pois tratam-se de ações praticadas pelos indivíduos ou crianças em cumprimento a algo que foi previamente estabelecido por alguém ou algum adulto, como respeito exclusivamente unilateral a esta figura de autoridade e cujas regras são cumpridas, mas não foram internalizadas. Já a autonomia, para ser exercida exige maior amadurecimento, uma vez que as regras passam a ser estabelecidas e respeitadas através do consentimento mútuo. Existindo um comportamento ético, por parte do indivíduo quanto ao cumprimento das regras e a valorização das mesmas, independente das suas consequências.
O desenvolvimento da identidade e da autonomia estão intimamente relacionados com os processos de socialização. Nas interações sociais se dá a ampliação dos laços afetivos que as crianças podem estabelecer com as outras crianças e com os adultos, contribuindo para que o reconhecimento do outro e a constatação das diferenças
entre as pessoas sejam valorizadas e aproveitadas para o enriquecimento de si próprias(BRASIL, 1998, p. 11).
Conforme citação anterior, de acordo com o Recnei, a criança desenvolve a sua capaciadade de agir com autonomia a partir do momento que ela interage com o outro e passa a compreender as diferenças existentes entre as pessoas. Assim como, segundo Rangel (1992), através das cooperações ocorridas na convivência em grupo o indivíduo desenvolve o pensamento operatório concreto que o possibilita sair do seu ponto de vista egocêntrico e se
colocar no ponto de vista dos outros, internalizando uma nova compreensão da realidade.
Sendo assim, observando mais uma vez o Recnei (1998, p.15), para que as crianças possam passar da fase heterônoma para a autônoma “é preciso que exercitem o autogoverno, usufruindo de gradativa independência para agir, tendo condições de escolher e tomar decisões, participando do estabelecimento de regras e sanções”.
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Assista também a aula de Piaget sobre o desenvolvimento da Moral!